terça-feira, 13 de abril de 2010

PECADORA
Pelas salas silenciosas do claustro,
Que guardam cinzas de ilusões passadas,
Que guardam pet’las de funéreas rosas.
De um ente caro, amigo verdadeiro.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
-- “Ai, foi por isso que me fiz coveiro!”
Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do pecado.
Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.
No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado
Do destino fatal, presa, morria,
Uma noite entre as vascas da agonia,
Tendo no corpo o verme do pecado!


A LOUCA

Quando ela passa: -- a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário da mágoa sepultada.
Eu sei a sua história. -- Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
-- O segredo d’um peito torturado --
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça -- o coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.


Augusto dos Anjos

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