quarta-feira, 25 de junho de 2014

Distância, desejo, deságue



Nessa distância que insiste em ser nossa realidade diária
e seguindo os instintos mais puros e primitivos
(que são os que sempre guiam meus passos)
Atravessei o dia inteiro excitada pensando em você
Sofrendo sozinha rodeada por muitos,
pois sem poder ser comida,
pois sem poder lhe comer
Sem alívio para uma dor que não dói de fato,
 mas consome as entranhas por um fogo que não cessa
Deslizando por minhas íntimas partes,
vontades de um inconsciente consciente
oceano... fogueira
Calcinha molhada, ventre em brasa
E uma vontade imensa de me espalhar por teu corpo
(aquele que também é minha casa)
Desfrutando-o!
Degustando-o!
Desfazendo-me!
Estarmos nus na mesma cama,
reféns dos corpos subjugados por segundas-terceiras-quartas intenções
Intenções de quinta numa terça qualquer.
Incêndio certo.
Arrebatada pelos quereres
Corroída pela vontade infinda de engolir teu membro
que sei agora repousa tranquilo entre tuas grossas pernas
cercado de poucos pelos e duas bolas que se encaixam perfeitamente entre meus lábios
Vibrar ao toque de tua boca habilidosa em busca de novos caminhos sob minha pele
Minhas mãos desvairadas que sempre tateiam tuas costas largas a procura de um porto
Vítima da mania incontrolável de assanhar com os dedos teus encaracolados
e negros cabelos (negros como as asas da graúna, já dizia alguém)
...da ânsia de soprar em teus ouvidos desejos, até o momento não externados
e repeti-los até transformá-los em uma realidade irreversível
indecências ditas em baixo tom
tatuadas nos poros, entranhadas nos corpos
Depois de retirá-las da mente atirando-(nus) sobre o colchão




Karolyne Gilberta

Alvo, alvo, no alvo!

Encantei-me por um livro de capa branca
Aquela alvura me tomando os olhos, me roubando os gestos
Apenas algumas pequenas gotas de tinta cinza salpicando trechos insignificantes do papel
Vendei meus olhos, me joguei na estória
Caí de cara nas imagens que meus olhos não liam
Quis morar para sempre na infinitude daquele papel
Foi tudo tão rápido e instantâneo que nem tempo tive de relutar.
 
 
Karolyne Gilberta

Sem inicio, meio ou fim

Eu era uma saudade que latejava
Um poço fundo de sentimento que não secava
Era uma ponte-travessia que se estreitava
Era um rio-correnteza que não cansava
Era viagem, partida e abrigo na chegada
Eu era apenas um caminho
Eu nunca aportava


Karolyne Gilberta

Baiana legítima

Baiana legítima que sou
Não consigo me imaginar levando uma vida sem condimentos
Sem pimenta e sem dendê
Sem quintura e sem folia
Quadril inflamado gingando nas rimas...  ou não
Caindo nos cantos
Sambando nos becos
Cravando nas peles alheias o símbolo dos desejos


Karolyne Gilberta

Eu vi a lua brincando de se esconder

Eu vi a lua brincando de se esconder
Matreira por entre montanhas e enormes pedras
Seguia bravia de encontro ao amanhecer

Eu vi a lua brincando de se esconder
Num meio sorriso – sorriso do gato
Deixando os espectadores a se entorpecer
Eu vi a lua brincando de se esconder
Numa noite de muitas estrelas
E bichos cantantes que rasgavam o negro céu da noite e faziam o silêncio romper

Eu vi a lua brincando de se esconder
Com seu brilho incandescente
Menina sem rédeas, encantada com sua singeleza
Fazendo em suas longas tranças brancas da realidade eu me perder
 
 
 
Karolyne Gilberta

Na TV dessa vida

Na TV dessa vida
Meu programa predileto é te ter entrelaçado ao corpo meu
Pernas trançadas com as minhas
Olhos fixos nas minhas retinas
Respirando nariz rente ao meu rosto
Lábios ansiosos procurando os meus
Sintonizando nossos corpos nos desejos da carne e da alma


Karolyne Gilberta

Sobre um passado presente

Quando leio os poemas que fiz para você
Agora assim distante no tempo do “nós” me pergunto
Se foi isso tudo tão tanto
Se valeu a pena o suor, o sangue, as lágrimas
De coração magoado, respiração suspensa
Observo nós dois pelos cantos das frestas por onde já não entra quase mais sol
Antes quando éramos festa e comemoração
Peito aberto para o que pintasse e desse
Não tínhamos essa agonia, mas só a urgência de estarmos nós, nus, sós
Passou tanta água debaixo de nossas pontes que a fortaleza que guardava a pureza do sentimento grande deixou umas muitas pedras rolando morro abaixo
Mortalha de uma história torta hoje meio estragada e um tanto melancólica
O dito na raiva, na pressa, no instinto ainda pesa e dói feito a navalha quando atinge a carne
Nesse instante tudo é passado
Muita coisa agora que é só poeira úmida incrustada nas fibras dos nós não desatados
Poeira engordurada que só com muita dificuldade se dissolve
Sujeira que de tão grudada demora uma outra vida inteira para limpar.

Karolyne Gilberta

Porca Parafuso

Anda tudo tão confuso
Meia vida porca, meia vida parafuso
E eu sendo enroscada,
Ora girando para um lado, ora sendo espremida para o outro
Tudo apertando
Um baita dum sufoco
Nem que a vida fosse esse tanto
E que me deixasse do gozo tão pouco
Queria mais que essa desalegria que me circunda infinda
Quem sabe um pouco menos de desgosto


Karolyne Gilberta

Cotidiano

Foram-se os poemas eróticos e as palavras em rima... as surpresas...,
Vieram os telefonemas sempre noturnos e previsivelmente em dias alternados.
Surpreendidos foram pelo cotidiano.
Amarrotados, encaixotados nas paredes do dia-após-dia.
Foram-se as mensagens curtas e declarações do tesão incontrolável, que ainda hoje alimenta a chama de ambos os corpos,
Vieram os eu te amos e algumas juras de “às vezes” eternidades.
Foi-se o derramamento de afeto e a presença nos espaços virtuais,
Vieram, além dos diálogos cada vez mais monossilábicos nas “redes”, os muitos abraços e beijos trocados nos espaços “reais”.
Foi-se a emoção inicial das frequentes chegadas e partidas compartilhadas às vezes em apertados colchões,
Vieram as noites dividindo camas espaçosas onde, muitas vezes também se divide longas crises de insônia e sonhos intranquilos.
Foi-se o medo do compartilhar os afetos,
Vieram as famílias, amigos(as), histórias de ambos para acrescentarem mais vida à vida dos dois.
Foi-se a leveza do “quase relacionamento” que deixava o muito de intimidade de fora,
Veio o fardo das experiências vividas impossibilitando as novas de acontecerem sem comparação com as anteriores.
Foram-se tantas coisas que ela nem sabe dizer, do muito que resiste,
O que vive porque é de agrado e o que subsiste apenas por hábito ou por falta de amar-se mais.
Coisas que foram... gente ... sentimentos... outras que ainda irão... histórias...
Da certeza de saber-se apenas que nada é eterno.
Coisas vão, outras chegam e algumas simplesmente mudam de face.
 
 
Karolyne Gilberta

Dos dias em que sou a própria tempestade

No dia que nascera havia sol lá fora, mas chovia dentro de si.
Já passava do meio do dia e a luz era intensa lá fora.
Viera tomada por emoções que se desenvolveram enquanto ainda era feto crescendo no útero da mãe:
E elas sacudiam-na.
Desde o começo de sua eternidade, tinha um verdadeiro temporal em seu interior.
Em seus deságues veio primeiro a família,
esta que ocupava-lhe o íntimo e suas devoções iniciais.
Não era nem gente, mas sentia que era importante ocupar dos outros e de suas dores.
Depois vieram os(as) amigos(as) e roubaram-lhe a outra metade daquilo que era.
Agora já era preciso que se desdobrasse para dar conta de ser completa.
Por fim, foram chegando-lhe os amores e ela dividiu-se mais uma vez.
Agora já era três,
Mas ainda era uma.
Tudo a compunha.
Com o tempo dissolveu-se a distinção de quem era família, amigos(as), amores... e a tríade voltou a refazer-se numa coisa só.
Todos os dias vinha novamente a chuva,
às vezes, aparecia um arco-íris aqui ou acolá ao fim dos ventos, das nuvens e das águas que corriam.
Concluiu que aquilo nada mais era que o amor fazendo morada em seu corpo
e um medo imenso de um dia acordar e ter se ido todo esse amor de dentro de seu ser.
Medo de esvaziar-se.
De tanto sonhar intranquila,
tantos e tantos dias materializava a chuva que corria em seu estômago
e os dias, como aquele que acabara de nascer, amanheciam nublados e com torrentes d’água a desabar
do céu-azul-de-sua-boca
sobre a terra seca do sertão.


Karolyne Gilberta

Ainda chamo-te de meu

Ainda chamo-te de meu
Mesmo sabendo que cada um é uma estrada que, às vezes, encontra-se com outra nas bifurcações do caminho

Ainda chamo-te de meu
mesmo sabendo que sua estrada veio depois da minha ao mundo, encontrou outras tantas e viveu outras experiências tão díspares das minhas

Ainda chamo-te de meu
mesmo sabendo que minha estrada de tão torta mal encontra o caminho da tua na maioria dos dias

Ainda chamo-te de meu
mesmo sabendo que cada estrada pertence a si mesma e que quem caminha por elas não tem o direito de nada além de deixar marcas ou pegadas enquanto passeia

Ainda chamo-te de meu
mesmo sabendo que o aroma de água molhando a terra e os risos que espalho quando caminhamos um pelo outro não são suficientes e também carregam um outro lado de lágrimas e um punhado de dor quando a tempestade desagua

Ainda chamo-te de meu
por mero descuido (não por que lhe queira minha propriedade), talvez por acaso ou simplesmente para dizer-te que é muito bom quando nossas estradas se encontram quando em vez parece que de tão juntinho, mesmo sendo impossível, a gente acaba virando um caminho só.


Karolyne Gilberta

Suspensa

As lágrimas secaram de tanto precisarem escoar, mas o nó na garganta ainda não se desfez. As dúvidas são tantas e tamanhas. A dor me esmaga e não me deixa respirar. Tenho em meu peito os dissabores de um mundo em ruínas.  A gigante insegurança que me atinge e assola. A falta de fé naquilo que virá... ou não.