domingo, 31 de outubro de 2010

Às vezes o amor que se dá pesa...


Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo, por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz...
Também é bom porque em geral se pode ajudar muito mais as pessoas quando não se está cega de amor.

Clarice Lispector

Borboletas e Risos

 


Borboletas e Risos
Isabella Taviani

Não vá sair sem se despedir
Deixe ao menos um cheiro
Num canto qualquer

Não vá sumir
Logo agora que descobri seus encantos
Seu plano qual é?

Me enfeitiçar
Derrubar as fronteiras em mim
Me desnortear
Escrever outra página

Lírios brancos combinam com meu bem
Borboletas e risos
Lua cheia também
Você, demais, sempre me faltou
Não desvie os seus olhos

Do nosso amor Me enfeitiçar
Derrubar as fronteiras em mim
Me hipinotizar
Escrever outra página
Redecorar minha casa

sábado, 30 de outubro de 2010

O fardo dos dias... [2]

Cansada, sofrida, dorida, extenuada....
Haja mal gosto e dedo podre.
Cansada de experimentar, de tentar ser feliz, de tentar encontrar alguém...
Quando depois de tentativas infrutíferas percebe-se que não tem solução, melhor deixar de lado e cuidar da vida.
Ou é isto ou enlouquecer.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dia Branco

Dia Branco
Geraldo Azevedo
Composição: Geraldo Azevedo/ Renato Rocha

Se você vier
Pro que der e vier
Comigo...

Eu lhe prometo o sol
Se hoje o sol sair
Ou a chuva...

Se a chuva cair
Se você vier
Até onde a gente chegar
Numa praça
Na beira do mar
Num pedaço de qualquer lugar...

Nesse dia branco
Se branco ele for
Esse tanto
Esse canto de amor
Oh! oh! oh...

Se você quiser e vier
Pro que der e vier
Comigo

Se você vier
Pro que der e vier
Comigo...

Eu lhe prometo o sol
Se hoje o sol sair
Ou a chuva...
Se a chuva cair

Se você vier
Até onde a gente chegar
Numa praça
Na beira do mar
Num pedaço de qualquer lugar...

E nesse dia branco
Se branco ele for
Esse canto
Esse tão grande amor
Grande amor...

Se você quiser e vier
Pro que der e vier
Comigo Comigo, comigo.


Tão linda essa música... tão linda!E a maestria de sempre de Geraldo Azevedo.



Três anos. Aos três anos, o sujeito começa a inventar o mundo. Minha família morava na praia. E eu começava a inventar o mundo. Primeiro, foi o mar. Não, não. Primeiro, inventei o caju selvagem e a pitanga brava.
Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar.


Nelson Rodrigues.
Trecho do conto Era bonito ser histérica da obra O Óbvio Ululante.


Saudades do tempo em que as coisas não tinham nome.
Que eram cheiros, sons, gosto ou só existiam em minha imaginação.
Estou precisando de férias de coisas e pessoas! Nada contra ninguém!
Precisando de muita fé em Deus! De menos ou nenhum rótulo... tanta coisa que a gente precisa e não se decide por ter, por ser....

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A nuvem de calças

Maria, anda cá!

Nua e sem pudor,
ou com um tímido tremor,
mas dá-me o encanto dos teus lábios que nunca murcharão:
o meu coração nunca chegou a Maio,
na vida vivida
nunca passou de Abril.

Maria!
O poeta canta sonetos a Tiana,
e eu –
todo de carne,
todo humano –
só peço o teu corpo
como os cristãos pedem
“o pão nosso de cada dia
nos dai hoje”.

Maria – dá!

Maria !
Tenho medo de o teu nome esquecer,
como teme olvidar o poeta
a palavra
nascida no martírio nocturno
grande só como Deus.

Teu corpo
cuidarei e amarei,
como o soldado
mutilado na guerra,
inútil
e sem dono,
cuida da única perna.

Maria –
não queres?
Não queres?

Ah !

Quer dizer que de novo sombria e tristemente
pegarei no coração,
salpicado de lágrimas,
e o levarei
como um cão
que para a casota
arrasta
a pata atropelada.

Com sangue do meu coração ficará manchado o caminho
como com flores de fogo lançadas à poeira.
Mil vezes bailará o Sol à volta da Terra
como a filha de Herodes
à volta da cabeça do Baptista.

E quando os meus anos
bailem até ao fim –
cobrir-se-á com milhões de gotas de sangue
o caminho até à morada de meu pai.

Sairei então
sujo (de dormir nas sargetas),
e ponho-me a seu lado,
inclino-me
e digo-lhe ao ouvido:

- Escuta, senhor Deus !
Como é que não te aborreces
nessa gelatina de nuvens
deitando água todos os dias dos teus olhos bondosos ?
Sabes uma coisa ?
Vamos construir um carrocel
na árvore da sabedoria do Bem e do Mal.

Omnipresente, estarás em todos os armários,
e pomos à mesa uns vinhos e tais
que incitem a bailar
o taciturno apóstolo S. Pedro.
E de Ervas encheremos de novo o paraíso:
uma palavra tua, -
e esta mesma noite
pelas ruas juntarei
as mais belas raparigas.

Trecho do poema A nuvem de calças de Vladimir Maiakóvski.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Madame Bovary (VI)

- Acho que não há nada tão admirável como um pôr do sol - continuou ela -, mas sobretudo à beira-mar.
- Oh!, eu adoro o mar - disse Léon.
- E não lhe parece também - replicou a senhora Bovary - que o espírito voga mais livremente sobre essa extensão sem limites, cuja contemplação nos eleva a alma e comunica ideias de infinito, de ideal?

domingo, 24 de outubro de 2010

Viagem à sombra

Tua casa sozinha – lassidão dos devaneios, dos segredos. Frocos verdes de perfume sobre a malva penumbra (e a tua carne em pianíssimo, grande gata branca de fala moribunda) e o fumo branco da cidade inatingível, e o fumo branco, e a tua boca áspera, onde há dentes de inocência ainda.

És, de qualquer modo, a Mulher. Há teu ventre que se cobre, invisível, de odor marítimo dos brigues selvagens que eu não tive; há teus olhos mansos de louca, ó louca! e há tua face obscura, dolorosa, talhada na pedra que quis falar. Nos teus seios de juventude, o ruído misterioso dos duendes ordenhando o leite pálido da tristeza do desejo.

E na espera da música, o vaivém infantil dos gestos de magia. Sim, é dança! – o colo que aflora oferecido é a melodiosa recusa das mãos, a anca que irrompe à carícia é o ungido pudor dos olhos, há um sorriso de infinita graça, também, frio sobre os lábios que se consomem. Ah! onde o mar e as trágicas aves da tempestade, para ser transportado, a face pousada sobre o abismo?

Que se abram as portas, que se abram as janelas e se afastem as coisas aos ventos. Se alguém me pôs nas mãos este chicote de aço, eu te castigarei, fêmea! – Vem, pousa-te aqui! Adormece tuas íris de ágata, dança! – teu corpo barroco em bolero e rumba. – Mais! – dança! dança! – canta, rouxinol! (Oh, tuas coxas são pântanos de cal viva, misteriosa como a carne dos batráquios...)

Tu que só és o balbucio, o voto, a súplica - oh mulher, anjo, cadáver da minha angústia! – sê minha! minha! minha! no ermo deste momento, no momento desta sombra, na sombra desta agonia – minha – minha – minha – oh mulher, garça mansa, resto orvalhado de nuvem...
Pudesse passar o tempo e tu restares horizontalmente, fraco animal, as pernas atiradas à dor da monstruosa gestação! Eu te fecundaria com um simples pensamento de amor, ai de mim!
Mas ficarás com o teu destino.
 

Vinícius de Moraes
Rio de Janeiro, 1938.

sábado, 23 de outubro de 2010

Madamme Bovary (V)

Sobreveio-lhe então uma forte comoção; sentiu-se débil e abandonada, como penugem de um pássaro que volteia na tempestade; e foi inconscientemente que se dirigiu à igreja, disposta a qualquer devoção, contanto que lhe absorvesse a alma e lhe fizesse esquecer completamente a existência.

Carol

I've got to learn to dance
 
If it takes me all night and day.
Well I've got to learn to dance
If it takes you all night and day.

The Beatles 


Viva todo mundo que faz e fez música com meu nome! lol

Mais uma vez, e outra vez, ainda...


Filme repetido que se é obrigado a assistir é tão cansativo....
Repetir as experiências então, mais cansativo ainda!
Pessoas cansam, ainda mais no momento da fraqueza, da tristeza, da frustração.

Queria não ter vivido tanto assim...
Não ter experienciado tanto assim...
Queria na verdade não ter que viver para ver o final desse filme outra vez.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Encher e transbordar

Queria conseguir chorar toda a noite de hoje.
Talvez o dia de amanhã também.
Mas tenho certeza que não.
Não vou conseguir.
É mais forte que eu.
Acontecimentos tristes  se sucedem todos os dias,
mas nada pior que a expectativa nos rodeando e se desfazendo.
É como se um gosto de desgosto me ocupasse a boca toda;
Como se a impotência com seu cheiro característico zombasse e tripudiasse de mim,
de meus anseios, expectativas e esforços;
Como se o impalatável sabor da derrota cerceasse o direito de sentir e estar feliz.
E os incomodados que se retirem,
pois a vida segue imperturbável.
A corrente não se rompe, a rotina não se altera...
Deixar que a tristeza me esgote, transborde, transcenda
é a única forma de voltar a enxergar "a luz no fim do túnel".

Karolyne Gilberta.



Trilha Sonora do e para o texto:
Pavio do Destino - Sérgio Sampaio





Texto escrito 22.10.2010 depois de um abalo e tristeza profunda, mas há de passar.
Sempre passa....

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Escrúpulo

Escrúpulo
Lenine

É muito além
É mais do que devia
Excesso que dá
De toda delicadeza...
Portanto, contudo, todavia
Toda vez você desvia
O rumo do assunto
E nunca que chega junto
E nunca que chega
Ao centro da questão

Escrúpulo!...

Você não fala pelas costas
Você não fala pelos cotovelos
Passa noites em claro
Mordendo a fronha
E escolhendo frases
De efeito moral
E nunca que você dá jeito
E nunca que ninguém
Dá jeito na situação

Escrúpulo!...

O tímido medo do ridículo
É sempre no limite
Que você decide
Decide se vai, ou se fica
Ou se foge
Decide, revide ou decide

Perdão!...

Você não sabe
Muito bem ao certo
Com que medida
Pode ser medido
O que é que move lá no fundo
Da verdade oculta
O que é que assusta
O seu coração

Você persegue a causa
E nunca que percebe
A causa da destruição

Escrúpulo!...

Odeio ficar fazendo rodeio
E pelo tolo receio
De ouvir um não
E dando passos em falso
Andando em círculo
O pé atrás, o impasse
O nó na garganta
Então já não adianta
Agora já não adianta
Mudar a decisão

Escrúpulo!... O tímido medo do ridículo

É sempre no limite
Que você decide
Decide se vai, ou se fica
Ou se foge
Decide, revide ou decide

Perdão!...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Mulheres

Penso que encontrei Lydia Vance na minha primeira leitura de poesia. Foi numa livraria da Kenmore Avenue, The Drawbridge. Estava, mais uma vez, aterrorizado. Vaidoso, mas aterrorizado. Quando entrei só havia lugares em pé. Peter, que se ocupava da livraria e vivia com uma preta, tinha uma pilha de notas à sua frente. «Merda», pensei, «se eu conseguisse juntar sempre assim tantas, teria dinheiro suficiente para fazer outra viagem à índia!» Entrei e eles começaram a aplaudir. No que diz respeito à leitura de poesia, ia de facto ser de arromba. Eu li durante meia hora e fiz um intervalo. Ainda estava sóbrio e podia sentir no escuro os olhos presos em mim. Vieram algumas pessoas falar comigo. Depois, no momento em que eu estava mais livre, Lydia Vance aproximou-se. Eu bebia cerveja sentado a uma mesa. Ela pousou as duas mãos no rebordo da mesa, inclinou-se e olhou para mim. Tinha longos cabelos castanhos, na verdade muito compridos, um nariz proeminente e era estrábica. Mas desprendia vitalidade - sabia-se que ela estava ali. Eu sentia passarem vibrações entre nós. Algumas eram confusas e não muito boas, mas estavam ali. Ela olhou-me e eu devolvi-lhe o olhar. Lydia Vance usava um casaco de cowgirl em camurça, com uma franja à volta do pescoço. O seu peito era mesmo bom. Eu disselhe: «Gostaria de arrancar essa franja do seu casaco  podíamos começar por aí!». Lydia afastou-se. Não tinha pegado. Eu nunca sabia o que dizer às mulheres. Mas ela tinha cá um traseiro. O fundo das suas calças de ganga moldavam-no na perfeição, e eu continuava a fixá-lo enquanto ela se afastava.
Acabei a segunda parte da leitura e esqueci Lydia exactamente como me esquecia das mulheres com que me cruzava na rua. Recolhi o meu dinheiro, escrevi em alguns guardanapos, alguns bocados de papel e depois fui de carro para casa.
Nessa altura ainda passava noites a trabalhar no meu romance. Nunca começava a  trabalhar antes das 6 e 18 da tarde. Dantes, a essa hora, estava eu a carimbar e a selar no terminal dos Correios. Eram 6 horas da tarde quando Peter e Lydia Vance chegaram. Abri a porta. Peter disse: «Olha, Henry, olha o que eu te trouxe».
Lydia saltou para a mesa de café! As suas calças de ganga moldavam-na mais do que nunca. Ela sacudia para a esquerda e para a direita os seus longos cabelos castanhos. Era louca; era milagrosa. Pela primeira vez pus seriamente a hipótese de fazer amor com ela. Pôs-se a recitar poemas. Era muito mau. Peter tentou  para-la: «Não! Não! Nada de poesia rimada na casa de Henry Chinaski!».

«Deixa-a continuar, Peter!»


Eu queria olhar para as suas nádegas. Ela fazia trepidar a velha mesa de café. Depois dançou. Agitava os braços. A poesia era péssima, mas não o corpo nem a sua loucura.


Lydia saltou para o chão.


«Gostaste, Henry?»


«De quê?»


«Da poesia.»


«Não muito.»


Lydia ficou imóvel com os poemas na mão. Peter agarrou-a. «Vamos foder!», disse-lhe. «Anda, vamos foder!»


Ela repeliu-o.


«Está bem», disse Peter. «Se assim é, vou-me embora!» «Então vai. Eu tenho o meu carro», disse Lydia. «Posso ir para casa sozinha.»


Peter correu para a porta. Parou e voltou-se. «Está bem, Chinaski! Mas não te esqueças do que eu te trouxe!» Bateu com a porta e lá se foi. Lydia sentou-se no sofá, ao pé da porta. Eu estava sentado a cerca de trinta centímetros dela. Olhei-a. Ela estava maravilhosa. Eu tinha medo. Estendi o braço para tocar os seus longos cabelos. O seu cabelo era mágico. Retirei a mão. «Todos esses cabelos são mesmo teus?»,  perguntei-lhe. Eu sabia que eram. «Sim», disse ela, «são meus.» Pus a mão sob o seu queixo, e muito desajeitadamente tentei virar a sua cara para a minha. Nestas situações nunca me sentia seguro. Beijei-a ao de leve.

Lydia saltou. «Tenho de me ir embora. Estou a pagar a uma baby sitter.»


«Ouve», disse eu, «fica. Pagarei eu. Fica mais um pouco.» «Não, não posso. Tenho que me ir embora.» Dirigiu-se para a porta. Eu segui-a. Abriu a porta. Depois voltou-se. Pela última vez estendi-lhe o braço. Ela ergueu o seu rosto e deu-me um beijo fugaz. Em seguida afastou-se e depôs-me na mão algumas folhas dactilografadas. A porta fechou-se. Sentei-me no sofá com as folhas na mão e ouvi o seu carro arrancar.


Charles Bukowiski.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Vambora

Vambora
Adriana Calcanhotto


Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Prá mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva...

Ainda tem o seu perfume
Pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara?
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz...

Ainda tem o seu perfume
Pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara?
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas...




Tô tão assim hoje.
Depressão total.