segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Mulheres

Penso que encontrei Lydia Vance na minha primeira leitura de poesia. Foi numa livraria da Kenmore Avenue, The Drawbridge. Estava, mais uma vez, aterrorizado. Vaidoso, mas aterrorizado. Quando entrei só havia lugares em pé. Peter, que se ocupava da livraria e vivia com uma preta, tinha uma pilha de notas à sua frente. «Merda», pensei, «se eu conseguisse juntar sempre assim tantas, teria dinheiro suficiente para fazer outra viagem à índia!» Entrei e eles começaram a aplaudir. No que diz respeito à leitura de poesia, ia de facto ser de arromba. Eu li durante meia hora e fiz um intervalo. Ainda estava sóbrio e podia sentir no escuro os olhos presos em mim. Vieram algumas pessoas falar comigo. Depois, no momento em que eu estava mais livre, Lydia Vance aproximou-se. Eu bebia cerveja sentado a uma mesa. Ela pousou as duas mãos no rebordo da mesa, inclinou-se e olhou para mim. Tinha longos cabelos castanhos, na verdade muito compridos, um nariz proeminente e era estrábica. Mas desprendia vitalidade - sabia-se que ela estava ali. Eu sentia passarem vibrações entre nós. Algumas eram confusas e não muito boas, mas estavam ali. Ela olhou-me e eu devolvi-lhe o olhar. Lydia Vance usava um casaco de cowgirl em camurça, com uma franja à volta do pescoço. O seu peito era mesmo bom. Eu disselhe: «Gostaria de arrancar essa franja do seu casaco  podíamos começar por aí!». Lydia afastou-se. Não tinha pegado. Eu nunca sabia o que dizer às mulheres. Mas ela tinha cá um traseiro. O fundo das suas calças de ganga moldavam-no na perfeição, e eu continuava a fixá-lo enquanto ela se afastava.
Acabei a segunda parte da leitura e esqueci Lydia exactamente como me esquecia das mulheres com que me cruzava na rua. Recolhi o meu dinheiro, escrevi em alguns guardanapos, alguns bocados de papel e depois fui de carro para casa.
Nessa altura ainda passava noites a trabalhar no meu romance. Nunca começava a  trabalhar antes das 6 e 18 da tarde. Dantes, a essa hora, estava eu a carimbar e a selar no terminal dos Correios. Eram 6 horas da tarde quando Peter e Lydia Vance chegaram. Abri a porta. Peter disse: «Olha, Henry, olha o que eu te trouxe».
Lydia saltou para a mesa de café! As suas calças de ganga moldavam-na mais do que nunca. Ela sacudia para a esquerda e para a direita os seus longos cabelos castanhos. Era louca; era milagrosa. Pela primeira vez pus seriamente a hipótese de fazer amor com ela. Pôs-se a recitar poemas. Era muito mau. Peter tentou  para-la: «Não! Não! Nada de poesia rimada na casa de Henry Chinaski!».

«Deixa-a continuar, Peter!»


Eu queria olhar para as suas nádegas. Ela fazia trepidar a velha mesa de café. Depois dançou. Agitava os braços. A poesia era péssima, mas não o corpo nem a sua loucura.


Lydia saltou para o chão.


«Gostaste, Henry?»


«De quê?»


«Da poesia.»


«Não muito.»


Lydia ficou imóvel com os poemas na mão. Peter agarrou-a. «Vamos foder!», disse-lhe. «Anda, vamos foder!»


Ela repeliu-o.


«Está bem», disse Peter. «Se assim é, vou-me embora!» «Então vai. Eu tenho o meu carro», disse Lydia. «Posso ir para casa sozinha.»


Peter correu para a porta. Parou e voltou-se. «Está bem, Chinaski! Mas não te esqueças do que eu te trouxe!» Bateu com a porta e lá se foi. Lydia sentou-se no sofá, ao pé da porta. Eu estava sentado a cerca de trinta centímetros dela. Olhei-a. Ela estava maravilhosa. Eu tinha medo. Estendi o braço para tocar os seus longos cabelos. O seu cabelo era mágico. Retirei a mão. «Todos esses cabelos são mesmo teus?»,  perguntei-lhe. Eu sabia que eram. «Sim», disse ela, «são meus.» Pus a mão sob o seu queixo, e muito desajeitadamente tentei virar a sua cara para a minha. Nestas situações nunca me sentia seguro. Beijei-a ao de leve.

Lydia saltou. «Tenho de me ir embora. Estou a pagar a uma baby sitter.»


«Ouve», disse eu, «fica. Pagarei eu. Fica mais um pouco.» «Não, não posso. Tenho que me ir embora.» Dirigiu-se para a porta. Eu segui-a. Abriu a porta. Depois voltou-se. Pela última vez estendi-lhe o braço. Ela ergueu o seu rosto e deu-me um beijo fugaz. Em seguida afastou-se e depôs-me na mão algumas folhas dactilografadas. A porta fechou-se. Sentei-me no sofá com as folhas na mão e ouvi o seu carro arrancar.


Charles Bukowiski.