quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A nuvem de calças

Maria, anda cá!

Nua e sem pudor,
ou com um tímido tremor,
mas dá-me o encanto dos teus lábios que nunca murcharão:
o meu coração nunca chegou a Maio,
na vida vivida
nunca passou de Abril.

Maria!
O poeta canta sonetos a Tiana,
e eu –
todo de carne,
todo humano –
só peço o teu corpo
como os cristãos pedem
“o pão nosso de cada dia
nos dai hoje”.

Maria – dá!

Maria !
Tenho medo de o teu nome esquecer,
como teme olvidar o poeta
a palavra
nascida no martírio nocturno
grande só como Deus.

Teu corpo
cuidarei e amarei,
como o soldado
mutilado na guerra,
inútil
e sem dono,
cuida da única perna.

Maria –
não queres?
Não queres?

Ah !

Quer dizer que de novo sombria e tristemente
pegarei no coração,
salpicado de lágrimas,
e o levarei
como um cão
que para a casota
arrasta
a pata atropelada.

Com sangue do meu coração ficará manchado o caminho
como com flores de fogo lançadas à poeira.
Mil vezes bailará o Sol à volta da Terra
como a filha de Herodes
à volta da cabeça do Baptista.

E quando os meus anos
bailem até ao fim –
cobrir-se-á com milhões de gotas de sangue
o caminho até à morada de meu pai.

Sairei então
sujo (de dormir nas sargetas),
e ponho-me a seu lado,
inclino-me
e digo-lhe ao ouvido:

- Escuta, senhor Deus !
Como é que não te aborreces
nessa gelatina de nuvens
deitando água todos os dias dos teus olhos bondosos ?
Sabes uma coisa ?
Vamos construir um carrocel
na árvore da sabedoria do Bem e do Mal.

Omnipresente, estarás em todos os armários,
e pomos à mesa uns vinhos e tais
que incitem a bailar
o taciturno apóstolo S. Pedro.
E de Ervas encheremos de novo o paraíso:
uma palavra tua, -
e esta mesma noite
pelas ruas juntarei
as mais belas raparigas.

Trecho do poema A nuvem de calças de Vladimir Maiakóvski.

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