terça-feira, 12 de abril de 2011

A Cidade do Sol IV

Quando pensava no bebê, seu coração crescia no peito. Crescia e crescia até que todas as tristezas, as dores, a solidão e o sentimento de inferioridade que haviam povoado a sua vida
desapareciam por completo. Foi para isso que Deus a trouxe até aqui, fazendo-a atravessar o país de um lado a outro. Agora, sabia disso. Lembrou de um versículo do Corão que o mulá Faizullah tinha lhe ensinado: "A Allah pertencem o leste e o oeste, e para onde quer que vos volteis lá encontrareis a face de Allah..." Ajoelhou-se no tapete de orações e fez suas namaz. Quando terminou, escondeu o rosto com as mãos e pediu a Deus que não deixasse toda essa felicidade lhe escapar.

 

A DOR CONTINUAVA A SURPREENDER MARIAM. Bastava ela pensar no berço inacabado, ali no galpão do jardim, ou no casaco de camurça guardado no armário de Rashid. Com isso, o bebê ganhava vida e ela podia ouvi-lo, podia ouvi-lo resmungar, com fome, podia ouvir seus murmúrios e seus balbucios. Sentia a criança farejando os seus seios. Aquela dor a invadia, a dominava, revirava todo o seu ser. Mariam estava estarrecida: como podia sentir tanta saudade de alguém que jamais tinha chegado a ver?

...

Mas a dor de Mariam não era vaga e indeterminada. Estava sofrendo por aquele bebê, aquela criança em particular, que, por algum tempo, a tinha feito tão feliz. Às vezes, achava que o bebê tinha sido uma bênção que ela não merecia, e que estava sendo punida pelo que tinha feito a Nana. Pois não era exatamente como se ela mesma tivesse posto a corda no pescoço da mãe? Filhas ingratas não merecem ser mães, e o castigo era justo. De quando em quando, sonhava que o jinn de Nana vinha ao seu quarto, a noite, se arrastando, para abrir sua barriga com as
garras e roubar o seu bebê. Nesses sonhos, Nana ria muito, deliciada com aquela vingança.

...

A culpa era de Deus, por zombar dela daquele jeito. Por não lhe conceder o que concedia a tantas outras mulheres. Por acenar para ela, de forma tão sedutora, com a coisa que a deixaria mais feliz e, depois, voltar atrás.

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