Possuía
cabelos longos que nunca tinham visto um pingo de tinta que fosse, tampouco um
corte mais abusado. Olhos castanhos escuros levemente opacos que abrigavam um
olhar inocente de quem veio a passeio ao mundo. Um jeito meigo de boneca de
louça que parecia que ia se quebrar ao mais leve toque. Uma pele tão clara que
era quase translúcida. Por sua aparência idealizavam-na. Cercavam-lhe de mimos e cuidados. Sufocavam-na
sem perceber. Quase
ninguém sabia, mas havia um lugar onde ela transfigurava-se ficando
absolutamente irreconhecível. Lugar esse que seu olhar abandonava a placidez
rotineira passando a assumir ares cruéis como águas de um mar revolto que sai
derrubando o que lhe cerca ou impede a passagem. Os cabelos assumiam postura
agressiva e exigiam dominação. Perdia a candura habitual vista pelos olhos
alheios. Viajava
sem sair do lugar. Parecia que passava a habitar um mundo paralelo, a ser esse
mundo. Entrava em êxtase numa realidade absolutamente diferente daquela que vivia
a maior parte do tempo. Perdia a compostura. Transformava aquilo que a suprimia
em libertação.
Karolyne Gilberta
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